domingo, 30 de agosto de 2009

A Loucura e o Desconhecido VI

No caminho da cozinha, onde começaria a colocar o plano em prática, parei por um momento sei lá porque, e acabei entrando no meu quarto. Por um momento, lembrei de um velho utensílio que mantinha guardado na parte mais alta da estante das “coisas velhas e sem utilidade” em um dos cantos do cômodo, onde quase nunca ia, e normalmente nem reparava em qualquer coisa que houvesse por ali. Tinha guardado lá, em meio a caixas e papeladas sem importância, uma pistola calibre .25. Nunca a usei, e não sei porque ainda a deixava ali, talvez porque não lembrava mais que havia algo assim em casa. Ela existia por um costume de família que acabei levando para a minha vida por uma falsa sensação de segurança, que na verdade nunca tive, pois mesmo se precisasse não a usaria. Sei apenas que, tal objeto na casa de um potencial suicída, não pode dar certo.
Não era o que tinha planejado, e de qualquer jeito, não era meu ideal de morte. Não havia sentimento, não havia o que degustar, o que sentir, o que aproveitar do momento. Era um modo simples e rápido – e não muito limpo – de dar um jeito nas coisas. Mas apesar de tudo, fui até aquela coisa linda mesmo assim. E como era linda. Sentei devagar na cama, segurando-a forte e olhando fixo para ela na minha mão. Foram alguns segundos que duraram uma eternidade, enquanto minha cabeça ponderava com extrema frieza se aquilo poderia ser a solução para a minha inquietação. E o tempo parava novamente, em mais um momento crucial da manhã mais reveladora da minha vida. Abri a trava da pistola, e a partir de agora, tudo podia acontecer. Tremia sem controle, suava de me enxarcar inteiro, e tudo passava de forma enlouquecida na minha mente, enquanto o tempo andava e andava.
Cheguei a esquecer do que tinha em minhas mãos. Mas lembrei logo, quando da porta veio um pequeno ruído, que para mim era como um berro bem nas orelhas, interrompendo meu estado de transe e pensamentos malucos, o que causou um instantâneo impulso na minha mão, sem a menor chance de escolha, de forma totalmente involuntária. O barulho estridente da porta foi rapidamente seguido por um estrondo pesado e seco no chão. Estrondo de um corpo. Um corpo feminino, de tanta vida e brilho algumas horas antes, e agora apenas um corpo, com a vida espalhada por todo o chão do corredor.
O outro corpo na cama era também apenas um corpo, sem vida, sem intenção, sem vontade, sem existência. Não merecia a vida, e seja lá o que houvesse ali dentro, estava agora também espalhado, e o que nunca foi lembrado estava agora esquecido para todo o sempre.

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